quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


O H maiúsculo

O menininho na esquina
repara o morro e a unha do dedão do pé.
Quer ser homão
usar calça comprida
pentear o cabelo de lado
escrever emendado
ler em carreira
e andar sem precisar dar a mão.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012




Os quadrados minúsculos da pele, segurando os poros,
mantêm os mesmo segredos impecáveis das pedras em sua natureza.
Berenice não é de adornos.
Só de dentes brancos e certos em carreira.
Já Deus, nem unhas tem.
Nem adornos.
Desorientada, precisando que algo me traje,
só deixo que me encabule, tanto acúmulo de aleluias e insetos
querendo luz em noite de estio.
Mas é tão bonito quanto a grafia: pantomimas.
Cai cheia de maciez nos ôuvidos feito de curvas e fragilidades
amansado por beleza sem acento gráfico.
Infortúnio, é não ter joelhos sadios.
Estes perenes, articulados e encapados,
sisudas hastes que não sambam nem desnudam
somadas aos segredos impecáveis
das pedras em sua natureza.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012


Em tons de vermelho

Meu amor tava superlativo.

Eu dizia com o coração inchado, por tão lírico:
-nunca vi dedos com tanta perfeição, nas unhas e juntas.
Chalanas também me preocupavam
por conservar por elas um amor ancestral
impermeável, como pelos navios.
Sensações solares, níveas de cais e de sede
se ajuntavam em mim, por tudo.
À título de honra,
guardava-me em cadeira maciça
ao invés da janela
em ansioso horário vespertino.
Chega, Antônio, depressa!
que tem caldo quente
mingau pro seu resfriado
e eu, com cabeleira e dois sonetos decorados
com atenção de veludo
e garganta à licor.
Mantenho em haste
suplícios por noites-bem-dormidas
sem que me flagelem o medo
de que sua tosse seja ritmada,
tudo por precaução do meu sossego
que foge desde seu pescoço e orelha.
Com voz caprichada
permaneço em redundância de frases em vermelho-doce.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012


Enquanto corre


Porque quero carregar

esses pêlos carmesins
entre meus dêdos de fôme
e por não haver,
rejeitei cigarros e pêna.
Entre dentes
segurei espaçados
sonetos que me vieram de socorro
num dia
ôu três, seguidos.
Da minha precisão
de morar entre a utilidade da sua filosofia vã, rogo:
-que valham os deuses
palavrões
e pasmos.
Ainda não batizei esse desacréscimo de interesse
pelo que não te tem
em carne, pele e unha.
Eu andando
de chão em chão
segurando a barra da camisa
depois vestido
com cabelo desacreditado
insistente em cair na cara
no travesseiro e no café
que abraço
mesmo em parede de xícara quente
pedindo que no fundo
esteja o que sem nenhum sofrimento, espero.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012


Gênesis

Por motivo de juízo
mantinha as janelas pôuco abertas
pro vento entrar fino
e não desfazer canto de toalha certo.
-Ainda não escolhi uma profissão,
acho sério demais pra minha idade,
Berenice justificava antes dos trinta.
Por não ser mãe, me sentia infértil
com cabelo, molares e unhas sem utilidade.
As côisas de faz tempo
eram guardadas e pregadas na parede.
Este retrato é triste, se vê pelo bigode
pelo paletó e pela gola do vestido dela,
que segurava ares mórbidos.
Por vezes, fazia de panela, vaso de flôr
ditando as articulações pesadas.
Mas sempre tinha aderência
e nem reclamava
pedindo ao dia minutos pacientes.
Depois do domingo
a respirar difícil
fico querendo voltar a ser barro.

terça-feira, 30 de outubro de 2012



Genealogia

A camisa tinha de ser com botões, colarinho e bolso.
Bom também, se fosse c’umas listras,
finas, miudamente separadas
por um espaço de nada.
Tinha um jeito tão certo
de sustentar as mãos cruzadas atrás das costas.
Por ele, eu sentia metade-metade:
metade medo, metade amor.
Era quase religioso, o modo contido de falar das coisas
sabendo qu’eu nem ia precisar de muito.
Já eu, contia o indizível.
O fumo, o fonógrafo
qu’inda não pus significado competente,
pretendo guardar feito relíquia.
Não estabeleci margem segura
pra saber que tanto dele
tenho na carne que segura minha unha.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012



Madura


Pelo menos uma vez na vida
é bom ficar cintilante às seis e meia da manhã
junto c’as folhas eucaliptais.
Ana tem um jeito enxuto de falar
de estar sempre desembaraçada.
Quando me deito, tem noites,
cravo na língua impropérios
n’outro dia
arrasto os móveis
mudando a cara das coisas.
Aí falo:
"-eu, Ana, m’embaraço
na perna
no cabelo que sobra da minha nuca
descansando o couro."
Ana sabe usar bem as cores.
O amarelo da blusa é quase ultrajante.
Sinto que todos os dias
ela sabe cintilar.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012


Alegria emprestada

Pipa de menino
que sonha avião em céu virgem
é o que basta,
pr’eu olhar pro chão
pro muro
pro portão
e achar tudo bonito.
Senti cócegas e desprendi um risinho fino.
Teologo,
sento e vacilo os olhos
as mãos e o sono
e acordo suando frio.
Volto à janela
revejo as pipas
e além delas
me alegro por um canteiro de margaridas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012


Encontro marcado em guardanapo

As cigarras não mudam de tom.
Quando enfêrma, Ana me dava mingau aos golinhos
e meus ouvidos engoliam a intenção das cigarras.
Durante, eu sentia uma picada de ciúme do ferro enferrujado
nas grades da janela
onde pousa pássaro apressado
mariposa esbelta
e mãos caladas.
Aquela doença boba – minha inquilina
se foi antes da noite.
Me pus ao desconfortante e debalde apego às coisas vãs.
-M’empresta, Ana, seu batom vermelho e um brinco.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


O quase amor

Há tempos tinha se notado aguada
fina, atordoada e sêca.
Um jeito desatento que comprometia o arroz no fogo.
Num calado de licor velho, Ana se pôs em redoma.
A tarde era repentina
ela s'enfeitava c'uma vagareza de muda nova.
Pó d’arroz
pulseira dourada no pulso esquerdo.
Um jeito de ter certeza,
que fazia ferver no peito
uma moléstia adequada.
Notei indícios d’amor.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Perfume

A rua estreitava co’a figura do moço.
Braço dado co’ela
que trajava um vestidinho
cheio de mundo na barra
bordado com linha azul.
Eu espiava com fôlego comprido.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Itinerante


O que me pertencia era o soluço descompassado,
aquela ruindade de limpar choro na manga da camisa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


Lírica

Tôu existindo de modo a encarar a vida no gerúndio.
Casca de ovo
cenoura ralada
coisas que vão sendo e ouvindo a notícia no rádio.
-No meu tempo era à pilha,
dizia minha avó
e eu achando bonito.
O jeito da saia, co’anágua aparecendo
e como os grampos eram cuidadosos.
Pendia pro lado da janela
ficando com o braço encostado na beirada
até o dia mudar de azul
pr’alaranjado.
Eu queria saber muita coisa
por isso ficava olhando pr’ela.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Pulso

As ambrósias acordaram mais cedo. Notei depressa.
Cê fala e vive redundante, me repete Berenice.
Fiquei calada, se é, consinto.
Tôu abarrotada de ferpas atravessando carne
olhos
até dentes.
Vôu sobrevivendo à peleja.
O que me doem, são ossos teimosos
em carregar meu ventre vazio.
Natural como o gado no pasto
m’é este semblante descorado
carregado d’um pudor avesso
em tempos duros.
Minha alegria miudinha
carregando só uns versos de Homero, e só,
não há como ser mais bonita.
É quentura
é apreço à cria.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012



Estereótipo d’amor

O que esmorece dentro das veias
feito calor estéril
têm me levado que nem cera de vela.
Este horário medonho
entre às dezoito e dezenove
m’esquenta feito veludo vermelho.
Dócil
feito o poema emprestado de Drummond
"as coisas findas, não mais que lindas";
corre pr’esse amor
com pernas apressadas
mãos preocupadas
com intenção de camponesa.
Fiquei preocupada
não conhecia prudência conveniente e chamei:
-Espera Antônio, m’empresta seu braço de Morfeu.

terça-feira, 18 de setembro de 2012


Mirante

Grão torrado
feito tempero d’alho
amassado
massacrad’amor
esperando que seja
sal.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012


Ballet

Por conta da minha liberdade
ôu prisão
venho sofrendo espasmos sem recursos pr’isso.
Destinada a dedos rebentos
a sonetos decorados
cílios ágeis
ôutrora vagorosos pra não perder o sossego do nada.
Cara d’outros tempos
não meus
grifados do qu’eu quis
têm peso de carcaça
em ombros mal feitos
vestidos de algodão
com possibilidades de nuvens
leves
trazendo chuva.

domingo, 16 de setembro de 2012

Emenda

O que conta mesmo
é o que se faz com tanto mundo
muda de manjericão
muda de beijo
muda de roupa
de verão
que taí o claro
antes que o sol a pino escorregue e faça sombra
co’essa cadeira na beira da varanda
na beira da alegria que avista o longe
mas espera.
Nem faço mais conta em cortar palmo de cabelo
em lua cheia
ôu quarto crescente.
Tôu pra dar atenção ao que leva tempo
ao que gasta força.
Um tanto de tempero
eu sonhando com fumaça
cheiro forte
curva de estrada.
"-Berenice corre,
ó sua música no rádio!"

sábado, 15 de setembro de 2012



Pêna

E vez ôu outra
desejo acordar sendo andorinha
moradora de pé de ipê amarelo
que bebe água de chuva
em cuia esquecida na horta
passarinha que faz vento pôuco
em bater d’asa pôuco
esperando fresta de janela aberta
pra ver história d’outro mundo
e assoviar em canto
história de gente.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012


Elegia

Boca faminta
falando de mosquitos
elegia
embora carnavais.
Peito quente
exausto de segurar coração
em marcha de samba
atropelando falante
fiozinho de choro
que desabafe
tudo o que tá podre
trapo juntado
penoso de calvário
cores que morrem
desbotadas de verão
de fertilizantes artificiais.
Lençóis despreocupados
em cama despreocupada
em casa despreocupada
co’a janela despreocupadamente aberta
coadjuvando vida
abafada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012


Epiderme

Des’que Adélia se foi
as noites são de chás,
sem letras hedonistas
p’amenisar as pálpebras
e as palpitações cardíacas
em tórax de Adão degredado de Eva.
Corujas voam,
estrelas cantam
e as palmeiras bailam imperativas
suas liberdades imperiais.
Aves noturnas
d’asa podada,
goela engasgada
e pena desbotada
rogam da torre do sino
chá de melissa no bico
e flor de laranjeira pr'os ninhos.
Ave canção de ninar
cabeça debruçada n’colo
perfumado de macela
de dedos finos
de pontas macias
qual algodão de barriguda
anunciando cigarras
de cantar dia interim
quando amanhecer setembro.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Empréstimo

-Leonora,
traz aquele vestido
com barra rendada
e deixa no meu cabide
pr’eu abrir o guarda-roupa
e pensar que cê tá no banho.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012



Porque ir embora arde

Repara Antônio
nesse minúsculo do olho
de dentro, onde cabe o que não passa da garganta.
Tarde vasta
terra plana
camisa engomada
mas haja moleza do coração
que deixa escapar
pedaço de pele
pedaço de carne
pedaço de vontade
pedaço de pecado
pr’os dedos tristes da minha mão.
Alisa a postura, Antônio,
franze o cenho
não engole seco
que a hora taí
seca e corrosiva
manchada de roxo
e de quaresma.
Conta da flecha
da esperança
desse amor
de tudo e mais um tanto
e abre estrada pelo mundo afora
esquece
qu’espaço é só esse canto.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um tanto

Um traço seu
um musgo no seu terreno
me deixa ser esta cicatriz na sua cara, Antônio
a fumaça que sai da sua boca,
-que você mente aliviar tensão
quero ser cereja
remédio pra dormir
ôu uma coisa qualquer que esteja mais no seu cosmo
tenho medo da vida, Antônio
quando suas pernas te levam pra longe
e quando é sexta-feira pra você
não sei que segredo escondes entre o pescoço e as orelhas até a nuca
me deixa ser aquele bolero que te convida
o samba que t’anima
a estrada reta provida
me deixa ser um canto seu
com mais força.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Um dia e meio

Em teia de horas
capturando
ruas estreitas
quatro da tarde
armazém
em dia de semana
riscando dissabores
d’ontem
em suor de travesseiro
dor de crepúsculo
em peito e boca
de moça
que sonha caramelo
salivando
pimenta do reino
em reinado de dissabores
desde a quaresma
da sua ida
nada de tomates
nem orégano
nem apetite
matutino de sol
lá, mi, dó de minh’alma
em desajeito tanto
enfrentando ainda
boa educação
em cara mentirosa
e aturando
esse frio de sarjeta
em poltrona de sala.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Cortejo

Paletó engomado
sapato envernizado
-é o mundo que’espera
no portão às sete e meia.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Contemporâneo

O que o tempo não aceitou,
eu escrevo aqui:
-o descaso, a morte, a ferrugem, a fuga.
Outros desalentos tantos
embaraçados em dedos pálpebras e sal.
A tarde que inicia a estação do inverno
-inverso calor
paladar quente em estação fria, vestida de lã.
Tanto espanto, olhando devagar
tanta boniteza pra ser acabada
tanto vinho pelo meio
tanta noite pelo meio
tanta conversa, pelo meio
tanto poema, inacabado, perto dos meus dedos
embora fartos papéis, lápis e roteiros.
Caço o que convém
-jornal de ontem, notícia passada, por mim
ocasião de risada e espanto.
Objeto fino, comportamento mole, requintado
explicando bom gosto e esperteza
e tanta data pra ser lembrada


-dia do livro, da flor, de Deus todo dia.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Poema Torto


Se desse, eu falaria disso
que é sonoro
fundo
forte.

Co’essa mania de tentar dar nome às coisas
não consegui dar nome a isto
que é sonoro
fundo
forte.

Me toca
repete
e segue.