sexta-feira, 28 de setembro de 2012


Encontro marcado em guardanapo

As cigarras não mudam de tom.
Quando enfêrma, Ana me dava mingau aos golinhos
e meus ouvidos engoliam a intenção das cigarras.
Durante, eu sentia uma picada de ciúme do ferro enferrujado
nas grades da janela
onde pousa pássaro apressado
mariposa esbelta
e mãos caladas.
Aquela doença boba – minha inquilina
se foi antes da noite.
Me pus ao desconfortante e debalde apego às coisas vãs.
-M’empresta, Ana, seu batom vermelho e um brinco.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


O quase amor

Há tempos tinha se notado aguada
fina, atordoada e sêca.
Um jeito desatento que comprometia o arroz no fogo.
Num calado de licor velho, Ana se pôs em redoma.
A tarde era repentina
ela s'enfeitava c'uma vagareza de muda nova.
Pó d’arroz
pulseira dourada no pulso esquerdo.
Um jeito de ter certeza,
que fazia ferver no peito
uma moléstia adequada.
Notei indícios d’amor.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Perfume

A rua estreitava co’a figura do moço.
Braço dado co’ela
que trajava um vestidinho
cheio de mundo na barra
bordado com linha azul.
Eu espiava com fôlego comprido.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Itinerante


O que me pertencia era o soluço descompassado,
aquela ruindade de limpar choro na manga da camisa.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


Lírica

Tôu existindo de modo a encarar a vida no gerúndio.
Casca de ovo
cenoura ralada
coisas que vão sendo e ouvindo a notícia no rádio.
-No meu tempo era à pilha,
dizia minha avó
e eu achando bonito.
O jeito da saia, co’anágua aparecendo
e como os grampos eram cuidadosos.
Pendia pro lado da janela
ficando com o braço encostado na beirada
até o dia mudar de azul
pr’alaranjado.
Eu queria saber muita coisa
por isso ficava olhando pr’ela.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Pulso

As ambrósias acordaram mais cedo. Notei depressa.
Cê fala e vive redundante, me repete Berenice.
Fiquei calada, se é, consinto.
Tôu abarrotada de ferpas atravessando carne
olhos
até dentes.
Vôu sobrevivendo à peleja.
O que me doem, são ossos teimosos
em carregar meu ventre vazio.
Natural como o gado no pasto
m’é este semblante descorado
carregado d’um pudor avesso
em tempos duros.
Minha alegria miudinha
carregando só uns versos de Homero, e só,
não há como ser mais bonita.
É quentura
é apreço à cria.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012



Estereótipo d’amor

O que esmorece dentro das veias
feito calor estéril
têm me levado que nem cera de vela.
Este horário medonho
entre às dezoito e dezenove
m’esquenta feito veludo vermelho.
Dócil
feito o poema emprestado de Drummond
"as coisas findas, não mais que lindas";
corre pr’esse amor
com pernas apressadas
mãos preocupadas
com intenção de camponesa.
Fiquei preocupada
não conhecia prudência conveniente e chamei:
-Espera Antônio, m’empresta seu braço de Morfeu.

terça-feira, 18 de setembro de 2012


Mirante

Grão torrado
feito tempero d’alho
amassado
massacrad’amor
esperando que seja
sal.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012


Ballet

Por conta da minha liberdade
ôu prisão
venho sofrendo espasmos sem recursos pr’isso.
Destinada a dedos rebentos
a sonetos decorados
cílios ágeis
ôutrora vagorosos pra não perder o sossego do nada.
Cara d’outros tempos
não meus
grifados do qu’eu quis
têm peso de carcaça
em ombros mal feitos
vestidos de algodão
com possibilidades de nuvens
leves
trazendo chuva.

domingo, 16 de setembro de 2012

Emenda

O que conta mesmo
é o que se faz com tanto mundo
muda de manjericão
muda de beijo
muda de roupa
de verão
que taí o claro
antes que o sol a pino escorregue e faça sombra
co’essa cadeira na beira da varanda
na beira da alegria que avista o longe
mas espera.
Nem faço mais conta em cortar palmo de cabelo
em lua cheia
ôu quarto crescente.
Tôu pra dar atenção ao que leva tempo
ao que gasta força.
Um tanto de tempero
eu sonhando com fumaça
cheiro forte
curva de estrada.
"-Berenice corre,
ó sua música no rádio!"

sábado, 15 de setembro de 2012



Pêna

E vez ôu outra
desejo acordar sendo andorinha
moradora de pé de ipê amarelo
que bebe água de chuva
em cuia esquecida na horta
passarinha que faz vento pôuco
em bater d’asa pôuco
esperando fresta de janela aberta
pra ver história d’outro mundo
e assoviar em canto
história de gente.